quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A favor do pagode da perereca que pisca, do liberalismo, e do plural.


A deputada Luiza Maia causou polêmica ao propor uma lei que proíbe o governo de contratar bandas que possuem músicas ditas ofensivas às mulheres. Pra mim, na verdade, governo não devia contratar banda alguma, mas isso é outro assunto. No site oficial da deputada não tem o texto do projeto, tem apenas umas chamadas revista-de-celebridades dizendo que ela está "fazendo o maior sucesso na mídia e entre a população", e que o sucesso é tal que ela "precisa agora de um banho de folha para não deixar o mau olhado encostar". É... se esse sucesso continuar a passos tão largos ela termina na Fazenda... Enfim, sigamos. Acho a proposta absurda. E já escrevi sobre a nova MPB - música popular baiana - nesse texto aqui.

O economista Walter Williams é um grande pensador liberal. Negro, cresceu nos EUA em um período onde a segregação racial era lei. Pobre, começou a trabalhar aos 10 anos como engraxate. Hoje, aos 74 anos, é Ph.D em economia pela UCLA. Ele tinha tudo para ser um defensor radical de cotas, das minorias, dos fracos e dos oprimidos. Mas, resolveu defender apenas a liberdade das pessoas serem indivíduos. A síntese de seu pensamento é que todos têm o direito de livre associação e livre pensamento desde que dentro da lei. Já o governo não tem o direito de se associar apenas àquele que julga melhor. Como disse, "a discriminação é indesejável nas instituições financiadas pelo dinheiro do contribuinte".

O perigo desse projeto, além do conceito, é a maneira que será posto em prática. Afinal, quem definirá quais músicas ofendem as mulheres? Uma comissão de burocratas com cargos de confiança? Caetano Veloso, na música "Não Enche", relata o desabafo de um cara que não quer mais a mulher e chama a ex-amada de "demente", "malandra", "vagaba", "à-toa", "vadia", e outros termos carinhosos. Caetano se enquadraria no tal projeto? Alguém logo vai dizer "ah, mas é Caetano, não pode comparar, e tem que ver o contexto, blá, blá, blá". Antes que alguém venha com essa chatice, não é comparação de obras, é análise de uma única música. Outro pode dizer que na música de Caetano as ofensas são manifestações do eu-lírico, não do autor. Ok, tudo bem. E se o cara do Black Style, num surto psicótico, usar o mesmo argumento? E se ele disser que ao cantar "quando chego na boate, ela se excita, levanto a garrafa de whisky e a perereca pisca, pisca, pisca" está narrando o cotidiano de um personagem fictício que preenche seu vazio existencial com relações supérfluas, sem densidade emocional, numa referência à teoria dos Amores Líquidos do badalado sociólogo Bauman? E se outro disser que "tapa na cara, mamãe" é uma releitura de Nelson Rodrigues? Porque, afinal, a mulher normal gosta de apanhar, e só quem reage é a neurótica, já disse o escritor...

Se tudo estiver nos limites da legalidade, não tô nem aí, mesmo não sendo do meu agrado. Como disse Walter Williams "é fácil defender a liberdade de expressão quando as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas".

Enfim, sou a favor do plural, e cada um que se junte com quem bem entender. Cada um tem o playlist que merece. Um exemplar da exótica fauna nativa soteropolitana se defendeu dizendo que "as nossas músicas é (sic) alegria pro povo". Já a deputada disse que o projeto visa "impedir que determinados compositores, determinadas bandas, seja contrada (sic) com dinheiro público". Diante disso, afirmo mais enfático: vamos defender o plural!!!

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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