terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy Winehouse, Salvador e a escolha do cadáver adiado

"Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia". Essa é a primeira frase do livro "O Mito de Sísifo", de Camus, onde ele trata da liberdade de viver. Escolher os caminhos da própria vida é exercer de forma plena a condição de ser humano.

O assunto do fim da semana, claro, é a morte de Amy Winehouse. Vi muita gente se dizendo chocada, pega de surpresa, triste com essa notícia repentina... Bom, meu comentário quando soube foi: "Tecnicamente, ela ainda podia ser considerada viva?". Não nutri nenhum sentimento, bom ou ruim, sobre o fato. Era apenas algo bastante previsível.

Amy Winehouse tinha 27 anos. Poderia ser uma mulher sexy, talentosa, com uma presença de palco avassaladora, cheia de vida e carisma. Mas, ela decidiu ser um zumbi deprimente. E, independente de qualquer teoria socio-psicológica, ela teve opção, ela escolheu seguir o caminho que teve. No momento em que tentaram levá-la à reabilitação ela disse não, não, não, e aí confirmou Camus, também em "O Mito de Sísifo": "Existe um fato evidente que parece absolutamente moral: um homem é sempre vítima de suas verdades. Uma vez que as reconhece, não é capaz de se desfazer delas. Precisa pagar um preço". Ela decidiu ser aquela sua verdade, se consagrou cantando que assim seria, e pagou o que era devido à escolha. E esse papo de pressão causada pelo sucesso me dá até preguiça de comentar. Quer dizer que o problema foi o sucesso? Melhor seria ser fracassada, então? É melhor ser uma mega-estrela-pop-mundial ou cantar num boteco decadente no bairro mais perigoso da cidade? Pra mim, excesso de opções não é problema. O problema é a falta delas.

Ontem à tarde, na av. Garibaldi, uma moça, também de 27 anos, levou um tiro nos rosto. Está na UTI. Espero que ela saia bem de mais essa barbaridade que chamamos carinhosamente de cotidiano. Garanto que não estava escrito na sua agenda: 16h, ser baleada no semáforo. Ela não teve opção. Um cara acordou, tomou café, tomou banho, limpou a arma, trocou de roupa, e decidiu que queria ter alguma coisa. E, para satisfazer seu desejo de ter algo, julgou que valia a pena tirar o direito de alguém decidir sobre a própria vida.

Amy escolheu sua trajetória de vida e morte. Outras tantas pessoas têm seu caminho interrompido sem que isso tenha acontecido de maneira consentida. Fernando Pessoa disse ser o homem um "cadáver adiado que procria". Eu não tenho pena de Amy. Na verdade, acho que ela foi bem feliz. Afinal, foi cadáver quando bem quis...

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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