sexta-feira, 27 de julho de 2012

Bonsai, Ferreira Gullar, e a invenção do sentido da vida


Há pouco mais de um mês, fui perguntado se conhecia o romance Bonsai, de Alejandro Zambra, um jovem chileno. O livro possui pouco mais de 90 páginas na diagramação peculiar da Cosac & Naify, e não alcançaria as 50 páginas se num formato tradicional. Sendo totais desconhecidos para mim, o livro e o autor, fui pesquisar, e as resenhas que passei o olho me despertaram curiosidade. Como um livrinho tão pequeno, escrito por um cara de pouco mais de 30 anos, pode render tamanho alvoroço? E, ainda tinha a referência da pessoa que me questionou, que diz coisas sempre tão certas que esta não poderia ser diferente. E, mesmo se assim fosse, de alguma maneira ela teria razão.

Logo no início do livro é comunicado: Emilia morrerá. Julio não. Dito o fim, vamos ao meio. Conhecem-se de maneira natural, e esse acaso vira necessidade. Como gostam de literatura, criam o hábito de ler juntos à cama. Em dado momento, mentem que lerem Proust. Não podendo retroceder, levam adiante a mentira até lerem "Em Busca do Tempo Perdido", criando a aparência de releitura. Mais adiante, Julio, agora com María, inventa que traballhará como digitador de um famoso escritor, por não ter coragem de revelar a ela que o trabalho foi negado. Sem saída, escreve manuscritos do romance que o escritor não escreveu, e trabalha nele como digitador, como se tudo fosse real. Depois, interessa-se por bonsais, e os cultiva como quem cultiva a própria realidade. Para financiar seu novo sentido da vida, vende os livros. E o que antes era protagonista, se perde como um figurante.

Ferreira Gullar é um poeta extraordinário. Seu livro mais recente, "Em Alguma Parte Alguma", tem poemas incríveis que abordam de existencialismo a astronomia, coisas que muito me interessam. Logo no texto de abertura, "Fica o não dito por dito", diz: "O poema / antes de escrito / não é em mim / mais do que um aflito / silêncio / ante a página em branco".

Assim como a criação do poema, a vida de Julio é essa página em branco onde tudo pode ser escrito, e que ele escreve da maneira que convém, sem amarras.

Numa entrevista na Flip, sobre o livro, Zambra disse que o fim tem menos importância do que se cria no meio. E assim também é na vida. Afinal, todos sabemos que no fim o protaginista - nós - sempre morre. Resta-nos, então, inventar o que se dará até lá.

Como disse Gullar: "o sentido da vida é inventado a cada momento"...

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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