quinta-feira, 14 de junho de 2012

Como Didi Mocó desconstruiu a arte contemporânea.


Na Inglaterra dos anos 90, uma geração de artistas foi denominada os "Young British Artists", a nova turminha-do-barulho das artes plásticas britânicas. Dentre esses novos talentos, um era tido como o líder: l'enfant terrible Damien Hirst. Mas, de menino prodígio, Hirst se tornou um coringa, ao invés do herói. E, como a grande maioria dos artistas cotemporâneos, ele gosta da polêmica, da controvérsia, e está mais preocupado na construção do branding do que na produção da obra em si. 

Em 1917, Duchamp fez a sua versão artes plásticas do "proletários de todo o mundo, uni-vos!". E, assim como a outra revolução, o troço não deu muito certo e terminou em colapso, deixando órfãos uma legião de pensadores que não veem que conceitos delirantes não conseguem se materializar em boas coisas no mundo real. Exposto o urinol como protesto no Salão dos Independentes de Nova Iorque, Duchamp lançou seu conceito de ready made, onde a obra não era uma produção do artista, mas uma peça industrial comum deslocada do seu contexto ordinário. Esse, digamos, estilo foi chamado de "apropriação". Então, qualquer coisa poderia ser transmutada em objeto de arte pelo simples deslocamento do uso comum. Praticamente uma alquimia, transformando latão em ouro. Bastava tirar o mictório da Comercial Ramos e colocá-lo no Museu de Arte Moderna e pronto! Fez-se a luz! 

Curiosamente, ainda hoje figuras como Damien Hirst e Jeff Koons se utilizam desses truques, quase 100 anos depois! Hirst já expôs como obra prateleiras cheias de pílulas médicas. Koons pegou bichos infláveis de piscina, como golfinhos e lagostas, e pendurou no teto da galerias. Muitas vezes nenhum dos dois sequer toca nas obras. Funcionários executam a montagem. Eles só pensam essas coisas (pelo menos é o que dizem). Tudo isso, claro, acompanhado de textos tão rebuscados quanto sem sentido explicando o sei-lá-o-quê das obras. 

Assim, a arte passa a ser qualquer coisa decretada como arte, numa metodologia autoritária e sem sentido bem condizente com revoluções de 1917... E por que só alguns alçam o estrelato, já que todos podem fazer arte? Porque, assim como na outra revolução, todos são iguais, mas uns são mais iguais do que outros... 

Em 1975, Tom Wolfe, no ótimo "A Palavra Pintada", apontou como esse é um conceito absurdo, e escreveu: "O que via diante de mim era o crítico-chefe do New York Times dizendo, na observação de uma pintura, hoje, carecer de uma teoria convincente é carecer de algo crucial". Ou seja, a própria crítica admite que de nada vale o objeto em si, mas sim a historinha que o artista conta pra tentar fazer daquilo alguma coisa. 

Mas, quem melhor criticou esse conceito que faz o tudo e o nada serem arte, desde que ungidos como tal, foi o maior personagem humorístico da história brasileira (na minha opinião): Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo! Numa esquete, Didi é o caixa de um mercadinho e vai atender Chico Anysio, o próprio (se o programa tivesse a pretensão de arte, os críticos babariam pela metalinguagem dialética entre o real e o fictício...). Empolgado em ver o ídolo, Didi bajula Chico como se não houvesse amanhã. Lá pelas tantas, pergunta: "Chico, poderia me dar um pornógrafo?". E Chico: "Autógrafo, sim, claro. Tem caneta?". Então, eis que Didi subverte a lógica e questiona toda a relação entre o valor em si da coisa e o valor atribuído pela intenção, disparando: "Tô sem caneta, mas escreve aqui na máquina", e saca uma máquina de escrever. Incrédulo, Chico pergunta: "Autografar a máquina?". E Didi, mais fundo na subversão dos valores, explica: "Chegar em casa eu passo a limpo.". E, pra finalizar, ainda comenta: "Muito bonita sua letra. É igual à dos livros que eu leio"! Nesse diálogo genial, de alguns poucos segundos, Didi resume a grande questão da arte atual: a arte se valida pelo valor em si da obra produzida como arte, ou pode ser validada por novas qualidades atribuídas a algo que antes não tinha valor algum? 

Essa é a valor de uma obra de arte atual: um autógrafo a máquina passado a limpo. O problema é que, à diferença de Didi, esses troços nem graça têm...

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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