quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Serge Gainsbourg partido ao meio e o mal que habita em nós

Coitado tem andado a delirar
Ele quer tantas fêmeas a conquistar
Fica sempre circulando
Pois muitas delas quer ofuscar
Para todas poderem em fim desapontar

Sabe muito bem como é ruim
Ser dia e noite um estopim
Que assim aceso vai buscar o próprio fim
Para uma vez morto viver com James Dean

Nas vezes que ele quer me confundir
Sorri e pede licença para sair
Parece que finalmente vai sumir
Mas é quando eu mais devo me prevenir
Desse mal que habita em mim

(Marcelo Nova - Camisa de Vênus)



O filme "Serge Gainsbourg - O Homem que Amava as Mulheres" é anunciado como uma cinebiografia do famoso e polêmico cantor e compositor francês. Pensei, então, que seria uma narrativa linear e realista do cara que feio e esquisito que conquistou, apenas, Brigitte Bardot e Jane Birkin (praticamente um Sarkozy underground). Mas, o filme não segue a biografia crua e, sim, recria a vida de Gainsbourg por uma ótica bem psicológica. Em todo o filme, um personagem-caricatura de Gainsbourg, faz as vezes do demônio pessoal que tenta levá-lo para o lado negro da força. É mal que habita nele corrompendo-o rumo à destruição.

No livro "O Visconde Partido ao Meio", o italiano Ítalo Calvino cria uma fábula leve e quase infantil (no estilo) que mostra esse eterno conflito entre as dicotomias nossas de cada dia. Nela, o visconde Medardo di Terralba é atingido por uma bala de canhão e tem seu corpo dividido exatamente ao meio. Então, cada parte sobrevive independente, mas conserva sentimentos opostos. Enquanto uma levava toda a parte boa do visconde, a outra só conservou seu lado ruim. Mas, nenhuma das partes conseguiu ser feliz sendo apenas bondade e apenas maldade. No fim, as partes são costuradas e voltam a ser uma: "Assim, meu tio Medardo voltou a ser um homem inteiro, nem bom nem mau, uma mistura de maldade e bondade ".

Como disse o próprio Calvino, o homem é um ser “mutilado, incompleto, inimigo de si mesmo”. E, ser um homem inteiro, é conservar dentro de si mesmo esse duelo entre os opostos, tentando equilibrar-se na linha média que não nos deixa ser pender para um extremo.

Numa cena marcante do filme, Gainsbourg deixa de ser ele, e passa a ser o próprio demônio caricato que havia nele. Portanto, deu-se a derrota do lado bom, restando-lhe apenas aquilo que o destruía.

Serge Gainsbourg venceu o mundo, mas perdeu o duelo contra si mesmo...

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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