domingo, 22 de agosto de 2010

Detalhes nos tempos do cólera


Na grande obra "O amor nos tempos do cólera", Garcia Márquez faz uma reflexão sobre as escolhas da vida. E sobre a importância das pequenas cumplicidades, numa espécie de "Detalhes" em prosa longa...

Florentino Ariza era um jovem tímido que passava seus dias devorando livros. Mas sua vida muda ao ver a bela Fermina Daza, que desperta nele uma enorme paixão. Inseguro, Florentino a observa sem coragem de abordá-la, e começa a escrever longas cartas que nem sabe se serão lidas. Um dia, consegue fazer chegar a ela uma das cartas. De início, Fermina se sente confusa com a aparição repentina, mas logo se empolga pela descoberta de um mundo novo. Trocaram cartas que transbordavam um "incêndio de amor". Mas, apesar das declarações mútuas, Florentino se sentia inseguro em dar um passo adiante, pois ela era a herdeira de uma rica família, enquanto ele era apenas um aprendiz dos Correios sem meios para lhe garantir um futuro. Depois de dois anos de cartas, num mês de agosto, Florentino decidiu contrariar seu hábito de escrever cartas de dezenas de páginas, e num único parágrafo pediu Fermina Daza em casamento. Fermina, "num medo pânico, desabafou com a tia, que enfrentou a confidência com valentia e lucidez:
"Responda a ele que sim. Ainda que você esteja morrendo de medo, ainda que depois se arrependa, porque seja como for você se arrependerá a vida inteira se disser a ele que não."
Ela chegou a dizer-lhe que sim, mas voltou atrás pela pressão do pai e das convenções sociais. Apesar de triste, logo conheceu o promissor médico Juvenal Urbino, e nele viu a segurança de que precisava para ter a sua família. Com ele passou 50 anos. Teve filhos, netos, viajou o mundo e, acreditava, teve felicidade. Mas, no dia em que ficou viúva, recebeu a visita de Florentino, agora presidente da Companhia Fluvial do Caribe, e que nunca a esquecera. Nos dias seguintes percebeu que a imagem do marido que julgava perfeito desaparecia como se nunca o houvesse conhecido, enquanto "tomava consciência de que havia em sua vida um fantasma atravessado que não lhe dava um minuto de sossego". Então, teve a certeza de que havia construído a vida que sempre sonhara... mas com a pessoa errada. E decidiu viver os anos que lhe sobravam com aquele que sempre deveria estar ao seu lado. Fermina descobriu que a felicidade que possuiu no contexto geral de sua vida não era maior que a felicidade que continha os pequenos detalhes de suas confissões com Florentino. Fermina não ouviu seu coração, nem ouviu Roberto Carlos:
Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida eu vou viver...

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei, mas eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim

À noite envolvida no silêncio do seu quarto
Antes de dormir você procura o meu retrato
Mas da moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim

Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma todo amor em quase nada
Mas "quase" também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso de vez em quando você vai lembrar de mim...
Não adianta nem tentar me esquecer

Como disse o arquiteto Mies van der Rohe: Deus habita os detalhes.

  © Blog 'Croquis' Bahia Vitrine 2009

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