Sobre escolhas e o Acaso da Felicidade
Ao som de João Gilberto
Ontem foi dia de eleições. Dia de escolher o caminho para algo que esperamos ser melhor. Geralmente, temos que a felicidade está na escolha, em controlarmos aquilo que virá. Mas, será?
Fiquei pensando, então, na felicidade que habita o acaso e como o imprevisível guarda em si uma sinceridade tão bela, porque descompromissada. Não foi analisada, escolhida, destrinchada... apenas foi. E lembrei de um conto de Caio Fernando Abreu, Mel & Girassóis, que fala de um cara e uma mulher tão diferentes, mas tão iguais, num encontro tão casual, e que não poderia ter sido melhor se planejado.
No texto de Caio, eles, "como naquele conto de Cortázar ― encontraram-se no sétimo ou oitavo dia de bronzeado. Sétimo ou oitavo porque era mágico e justo encontrarem-se". Tudo tão ao acaso que não fazia sentido deliberarem o próximo encontro. Bastou um "- Desculpe. - Não foi nada". E seguiram como se nada tivesse acontecido.
Mas, um outro encontro. Eles não mais anônimos, um "- Tudo bem? - Jóia". Depois outro encontro. E os diálogos crescendo. "Conversaram, no oitavo ou nono dia." Naquela fase de busca de interesses iguais, após muitas citações, "empatados, encontraram-se em João Gilberto, que ouviam sozinhos em seus pequenos mas bem decorados apartamentos urbanos [...] Meio idiotas, mas tão felizes, ficaram cantando O Pato..."
E seguiram como se quisessem muito, e ao mesmo tempo tão despretensiosos como quem espera nada. E tudo mais intenso, mesmo aparentemente sem sentido pelo envolvimento com alguém tão recente, e tão acaso. "Ela achava um pouco forte estar-se exibindo assim com um homem afinal desconhecido [...], mas encostava mais e mais a bacia na bacia dele ― a pelve, a pelve".
Tempo passando, como se aquilo fosse morrer tão de repente quanto nasceu. "Último dia, não havia mais tempo. Manhã seguinte, acabou: the end - sem happy? - Eu não vou me esquecer de você. Ela disse: - Nem eu [...]. Ele afastou-a um pouco, para vê-la melhor. Ela sacudiu os cabelos, olhou bem nos olhos dele [...] Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro".
E assim fizeram o que parecia efêmero, eterno, pedindo desculpas ao "acaso por chamá-lo necessidade", como naquela poeta húngara do Nobel.
E ficaram, então, com essa felicidade que nos alcança de surpresa.